Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.
Na literatura, não faltam exemplos de caminhantes – artistas que transformam a estrada em tema. Jean-Jacques Rousseau, Rubem Fonseca e o poeta sevilhano Antonio Machado (autor do poema em epígrafe) são apenas os primeiros nomes que me vêem ą lembrança. No entanto, ainda hoje, é raro encontrar uma artista mulher que abrace o desafio das ruas como pano de fundo para a reflexão. Uma mulher que flane – palavra tão fora de moda – fora de sua zona de conforto. É exatamente isso o que Edineusa Bezerril faz nesses Abstraimentos, anotações visuais de andanćas urbanas, de momentos em que – distraída e abstraída – descobre uma inusitada liberdade de pensamento, sentimento, ressentimento, reflexão. Em vez de lutar contra o desconhecido, atira-se a ele. Daí resulta esse lirismo sujo, que consegue amalgamar a palheta cromática de uma tatuagem a um muro grafitado. O metal dos carros e fios de alta tensão ao chamado à intimidade.
A referência às obras fundamentais de sua formaćčo ą sua própria infância. Tudo é tingido pelo olhar interrogador dos devaneios da caminhante solitária.
No trabalho de Edineusa Bezerril, sempre houve um discreto elemento – quase a derme de sua pintura - que criava a necessária tensão dialética entre os elementos dispostos na tela. Já foi o jogo de cores, já foram áreas de abstração e agora – coerentemente com a ideia de trajeto - é a direćčo do olhar de suas personagens.
Elas parecem procurar ver umas ąs outras – e a nós também. Ao flanar pela galeria, olhamos e somos olhados pelos Abstraimentos de Edineusa Bezerril. Somos também transformados em caminhantes reflexivos.
É como sair na chuva.
Todo mundo se molha.
Mas só os olhos do pintor vertem água.
Rosa Amanda Strausz
escritora